segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

É tão curta a vida, meu amor

é tão curta a vida, meu amor
é tão infinita a morte, que
sinto como um desperdício esta nostalgia
da infância, esta tristeza vaga
da brincadeiras perdidas. quão longe vai a alegria
das aventuras primaveris
deste triturar da alma na apoplexia quotidiana. e no entanto,
meu amor, é tão fácil o esquecer da saudade,
tão fácil o inventar do jogo que se torna absurdo
esta atracção pela amargura culminada em estranhos prazeres
de rudeza sempre renovada.

Adolfo Luxúria Canibal,
Lisboa, Dezembro de 1982


Poderia falar-te do amor, essa coisa

Poderia falar-te do amor, essa coisa
cinzenta e tenebrosa que faz sorrir
as criancinhas – mas não,
prefiro falar-te de um campo com erva
verde, muita erva muito
verde e com árvores
azuis onde à noite vai morrer

o vento. Poderia falar-te
do amor, essa coisa branca e indefinida
que faz escrever os poetas –
mas não, prefiro contar-te
como o sol laranja brilha
no prateado do mar rodeado
de gaivotas que chilreiam roxo e mel,
roxo e mel

E dizer-te do ácido (ah, como é cheio
o ácido), e da neblina matinal
púrpura e rosa
e do orvalho e da lua. Poderia falar-te

do amor, essa coisa
amarelada e ruidosa que faz enriquecer
os homens – mas não, prefiro
falar-te
do suicídio e do orgasmo da corda
à volta do pescoço, o encarnado.

Eles mataram-
-no

Adolfo Luxúria Canibal,
Braga Julho de 1978

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